Há quatro anos que gosto de passear, de ver o azul do mar beijar o dourado da areia da praia principal do Porto Santo. Sei onde vou encontrar turistas e onde os habitantes locais dão as boas-vindas a cada novo ano com um mergulho. Quando entrei pela primeira vez no cais e vi as pessoas a absorverem a energia do local, desejei isso também para mim. Visualizei-me a caminhar desde o porto até à última esquina de onde se avista a Madeira. São nove quilómetros de prazer para os pés. Não esperava que, para além do prazer, encontrasse aqui emoções, emoções profundas e comoventes.
A praia é o único lugar onde se pode encontrar qualquer pessoa: um local e um turista, um vagabundo e um milionário, uma criança e um idoso… Apesar de sermos diferentes: língua, idade, sexo, cor da pele, educação, profissão, estatuto, história familiar, gostos e humor, aqui, despidos quase nus – sentimo-nos seguros. Quando vivia na Polónia, com um pouco de esforço conseguia encontrar locais de praia onde não houvesse muita gente, barulho e sujidade. A praia da ilha é suficientemente longa e larga para que toda a gente encontre espaço suficiente, mesmo durante a época alta do turismo.
Sempre gostei de observar as pessoas enquanto tomavam banhos de sol e na água. Dependendo da minha disposição, lia livros na praia ou ouvia música (sempre só com auscultadores!). Mas, invariavelmente, arranjava tempo para imaginar as histórias de vida e as histórias das pessoas que tomavam banho ou passeavam em fato de banho à minha frente. Admito que até agora me afundava nos meus pensamentos ao ver uma mulher a aplicar creme numa criança, um homem a tentar roubar um beijo a uma rapariga envergonhada, uma mulher idosa a olhar para longe ou as sobrancelhas molhadas de jovens a emergir das ondas.
Há alguns dias, aconteceu algo na praia que me comoveu profundamente. Depois de enxugar as lágrimas, decidi que ia escrever sobre isso.
Estava deitada numa toalha, com auscultadores nos ouvidos, e reparei num rapaz à minha frente, por detrás de um grande guarda-sol amarelo. Só lhe prestei atenção porque ele não se mexia como os outros. Andar era claramente difícil para ele. Olhei para ele com mais atenção. Tinha cerca de dez anos. Os joelhos roçavam uns nos outros a cada passo, os braços pareciam colados ao tronco, as mãos estavam congeladas acima dos cotovelos e sobre o pescoço rígido havia uma cabeça grande, constantemente inclinada para um lado. Vi-o caminhar em direção ao mar. Sozinho. Quando chegou à linha de água, molhou cuidadosamente os pés. Lentamente, deu alguns pequenos passos, de modo a que a água lhe chegasse aos joelhos. Não consegui ver se estava a sorrir, porque estava de costas para mim.
Desde muito cedo que lidei com crianças que se desviavam da chamada “norma”, por isso o rapaz não me causou nenhuma impressão especial. Fiquei apenas surpreendida por não haver ninguém ao lado dele para o ajudar.
O rapaz ficou no mar durante muito tempo e depois decidiu sair da água. Virou-se para mim com um rosto sem expressão visível. Os seus olhos pareciam-me tristes, mas isso era apenas uma interpretação exagerada. Ele veio na minha direção e parece que os seus familiares estenderam as toalhas perto de nós. Foi então que vi aqueles olhos e lábios sorridentes. O rosto que me cativou desde o primeiro segundo era uma expressão de ternura e de extraordinária calma. A mão estendida foi muito útil na tentativa desajeitada do menino de se sentar na manta. O pentear dos seus cabelos encaracolados com os dedos e a entrega de uma toalha completaram o quadro de ternura.
Olhei com admiração para o rosto de um homem mais velho do que eu, que realizava as tarefas de um cuidador com grande calma, em silêncio, sem movimentos desnecessários. Só passado algum tempo é que me apercebi que mais três pessoas estavam a desfrutar da praia com eles. Uma mulher que parecia ser a esposa do cuidador estava ocupada a tomar conta de duas raparigas. Ambas eram mais velhas que o rapaz. Uma delas estava a colocar uma boia colorida nas ancas, enquanto a outra entregava ao rapaz um pacote aberto de bolachas. Cada uma delas tinha um rosto do qual eu não conseguia ler nada. Ao ver os adultos que estavam com eles, os meus olhos encheram-se de lágrimas. Queria pará-las, mas elas caíam sem a minha vontade e com tanta persistência que pus os meus óculos de sol, debaixo dos quais olhava, secretamente, para aqueles rostos lindos.
Os dois prestadores de cuidados (não sei quem eram – pais, avós ou prestadores de cuidados sociais) causaram-me uma grande impressão. Os seus rostos e gestos eram a essência de uma vida boa, em que o significado é óbvio e claro. Não tinham telemóveis, nem relógios, nada de desnecessário com eles. Tinham tudo o que precisavam. Tal como os seus protegidos. Estavam aqui em paz e sossego, e eu chorei porque tive a impressão de que eram felizes. A expressão no rosto do homem não deixava ilusões.
Sei o que implica cuidar de crianças semelhantes. Durante doze anos, partilhei um corredor e uma casa de banho com vizinhos que tinham duas filhas. Uma era mais velha do que eu, a outra mais nova. Juntamente com a mais nova, tomei conta da mais velha na ausência dos pais. Não era fácil, mas gostávamos dela tal como era. Era preciso ter muita paciência e… ternura. Recentemente, esta recordação veio-me à memória e foi imediatamente seguida pela situação no oceano.
Só hoje posso olhar para esta memória com a calma e o sorriso que vi no rosto daquele homem da praia.
*Traduzido por Margarida Vasconcelos
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