
Quando me instalei na ilha, correram rumores de que havia um instrutor de ioga fantástico no porto. Depois das minhas experiências anteriores com o ioga, não tive qualquer vontade de procurar uma aula. Um dia, vi um Citroën 2CV vermelho e uma mulher pequena ao volante, que alguém me indicou como estando a dar uma aula de ioga aérea. Esta dupla – um carro antigo, vermelho e bonito com uma rapariga jovem e sorridente – causou-me uma enorme impressão.
No dia 23 de março de 2023, escrevi uma mensagem à Ana. Ela convidou-me para a aula, apesar de não ser o início do ciclo – eu vinha como principiante para um grupo de outras nove mulheres. Desde o primeiro até ao último minuto, senti-me bem tratada. Apesar de ela não me ter chamado a atenção e de, estando suspensa numa funda, ser difícil ter contacto direto com as outras pessoas, senti o seu cuidado. O contacto visual, o sorriso, a linguagem corporal (eu não entendia muito, mesmo quando ela mudava de português para inglês), tudo era suficiente para me fazer sentir segura. Logo na primeira aula, com a ajuda da Ana, consegui fazer a posição invertida (fiquei pendurada na funda com a cabeça para baixo).
Talvez seja estranho, mas eu estava feliz por não perceber nada. Nem sequer tentei concentrar-me nas palavras. Escutei os sons da sua mensagem verbal como se fosse música. A voz da Ana é bonita e calma (um recurso tremendo). O seu corpo na funda fazia poses, como a bailarina mais profissional do grupo. Os dedos das mãos e dos pés, o pescoço comprido, até o olhar – tudo era o toque final para a frase de dança em que o ioga da Ana se estava a tornar. A música de relaxamento saía silenciosamente de um altifalante invisível e uma fragrância agradável espalhava-se pela sala. Tudo era coerente em termos sensoriais: os sons, os cheiros, as sensações tácteis no material luxuosamente texturado, e a visão da Ana reflectida num enorme espelho. Depois de cada aula, recebíamos pequenas chávenas de chá quente nas mãos, preparadas pessoalmente pela instrutora (muitas vezes com base no que ela colhia no jardim, por exemplo, hortelã, camomila).
Depois das férias, começaram as aulas de ioga ao ar livre. Estendíamos os nossos tapetes no parque, ou mesmo junto ao mar, nas tábuas de um bar simpático fechado na época baixa. Imagine: deita-se no tapete durante o dia, pratica-se ao pôr do sol e, depois de relaxar, abre os olhos e as estrelas pairam sobre si. E tudo isto acompanhado pela melodia do oceano, ou pelo canto dos pássaros no parque. A Ana seleciona a música com extremo cuidado. Como músico, sou extremamente sensível, para não dizer “melindroso”, e a cada aula sou agradavelmente surpreendido pela sua escolha de repertório. Pensei que ia sentir falta de me balançar numa funda suspensa, mas a Ana consegue surpreender e até as aulas no tapete se tornam uma experiência única. Enquanto relaxamos, ela faz-nos sentir cheiros agradáveis e a nossa cabeça liberta-se da tensão (não vou revelar mais, é o seu estilo único de cuidar de cada um de nós).
Admito que, pelo menos algumas vezes, antes de ela servir o chá, limpei as lágrimas. Nunca foram lágrimas de impotência, de dor. São sempre acompanhadas de uma grande emoção na altura. Não consigo exprimir em palavras a gratidão que me invade após cada encontro com a Ana.
Ocasionalmente, a Ana convida-nos para um yoga & brunch. Nessa altura, para além do tradicional chá, ela prepara iguarias para nós. Pratos cheios de legumes e frutas coloridos, cestos de pão caseiro, chás e águas aromatizadas. Tudo saudável, saboroso e interessante. Esperamos ansiosamente por estas ocasiões e até os nossos parceiros vêm, porque ninguém consegue resistir à tentação de festejar.
No dia 23 de março de 2025, fará dois anos que sei que “quando o aluno está pronto – o professor aparece”. Comecei a compreender as palavras ditas por Ana. No início, reconhecia frases isoladas e, recentemente, até frases inteiras. O que ela diz no início e no fim da sessão fez com que eu já não retraia a minha mão quando uma formiga entra nela. Não saio do tapete quando sinto pingos de chuva. Cada vez mais sinto-me unido ao que me rodeia. Estou onde é suposto estar e como é suposto estar. Sem expectativas ou noção de tempo. Com a cabeça e o coração abertos.
Estou grato pelo facto de a vida ter cruzado os nossos caminhos e de podermos desfrutar do momento do nosso encontro. Que dure o maior tempo possível.
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Ps. se quiseres encontrar-nos na ilha – vai haver essa oportunidade: A Ana convidou-me para co-criar um dos fins-de-semana do FOOD&YOGA, que terá lugar de 1 a 4 de maio de 2025. AQUI ENCONTRARÁS MAIS INFORMAÇÕES
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