Hoje é mais um DIA DO PROFESSOR na minha vida. Desta vez, a ilha se tornou a professora. Faz um ano que nos mudamos para cá permanentemente. Ontem, caminhando pela praia, varrida pelo vento quente, com os meus pés na água, tentei resumir este ano. Estava curiosa para saber as perguntas que os meus entes queridos fariam hoje. Sobre o que eles estão curiosos, o que mais lhes interessa?
Respondi a todas as perguntas. Graças a isso, meu resumo ganhou mais qualidade.
- Por que decidiram fazer tal revolução em sua vida, e depois de um ano, acham que foi uma boa decisão?
Meu marido tinha suas razões, e foi ele quem me mostrou uma perspectiva mais ampla sobre o “lugar para viver”. Ele é um marinheiro, ele já viu mais (também metaforicamente). Para mim, depois da morte da minha mãe (meu pai faleceu há 32 anos), houve uma convicção de que eu não tinha nada a perder. De repente, em nenhum lugar onde eu morava, eu não me sentia mais “em casa”. Queria implementar ainda mais claramente o plano que eu tinha criado há alguns anos: ser saudável, não trabalhar, criar e desfrutar todos os dias. Tudo isso estava de acordo com a ideia do meu marido, que me lembrou que uma vez eu apontei este lugar para viver. Não esperava que ganharia bônus na forma do meu primeiro jardim em casa e maravilhosa natureza ao alcance fácil. Apesar dos custos (e eles eram diferentes), achamos que foi uma boa decisão. - De onde tiveste a coragem de tomar essa decisão?
Tenho construído coragem nos últimos anos. Foi um processo mais longo do que você pensa. As respostas mais importantes foram as respostas que encontrei graças a perguntas importantes feitas a mim mesma graças a uma pausa mais longa do trabalho. Houve uma altura em que descobri ,que pela primeira vez na minha vida, eu não seria capaz de trabalhar. Não podia conter minhas emoções: tristeza, medo, raiva. Eles derramaram fora de mim antes de começar mais um dia do trabalho. Decidi tirar uma licença médica, durante a qual tive o maior luxo, ou seja o tempo. Dei meus primeiros passos incertos no caminho para mim propria. Tive tempo para longas e solitárias caminhadas. Li livros reavaliando os padrões anteriores dos meus pensamentos sobre mim e o mundo. E foi aí que notei uma força em mim que sempre tive. Não importa o que acontecesse – sabia lidar com isso. Às vezes sentia pena de mim propria, muitas vezes apertava meus punhos, às vezes era necessário morder meus dentes, mas no final eu CONSEGUIA. Por isso, quando tomei a decisão de me mudar para a ilha, JÀ SABIA que o que ia acontecer… eu consigo. - O que deixaste para trás graças a isso?
Eu desisti de todas as minhas roupas e botas de inverno e uma monte de tralha desnecessária (hihi), mas a sério é todo do passado. Pode parecer trivial, mas fechar o passado não é fácil. Achei que era o melhor momento. Livrando-me de todas as coisas materiais, um a um, reorganizei meu sistema de valores, despedi-me das diferentes fases da vida e dos papéis que assumi como meus. Também me despedi dos lugares que amava. O tempo mostrou que também com algumas pessoas importantes para mim. Deixei parte da minha identidade. - Como vocês estão lá? E quanto ao trabalho? Como isso afetou o vosso relacionamento?
Estamos bem. O tempo é propício para o bem-estar, o vento do oceano sopra para fora de suas cabeças várias tolices que querem ficar dentro por mais tempo. Basta olhar de um miradouro para a distância e você imediatamente sabe: o oceano estava aqui muito antes de Ti e continuará depois de Ti. Em tais circunstâncias, você “trabalha” para os outros porque você é gentil, aberto à diversidade cultural, racial e identitária. Prometi a mim mesma que nunca mais me sentiria como “estar no trabalho”. Eu ensino, mas não estou no trabalho. Estou a criar, mas não estou a trabalhar. Eu produzo, mas não estou no trabalho. Eu trabalho, mas não trabalho. Tudo isso afeta muito bem nosso relacionamento. Todos os dias aprendemos a nós mesmos. Às vezes é difícil, outras vezes vem facilmente. Certamente, construir uma realidade comum nesta idade, com muitas experiências anteriores por conta, sem a interferência e pressão de ninguém foi agradável para nós. Preocupamos-nos com nossa relação com uma consciência muito maior. - Como foi aquele primeiro ano: fácil ou difícil? Este tempo permitiu que vocês se sentissem como cidadãos plenos da ilha?
Cada dia, como em qualquer lugar, esta diferente. Isso não é afetado pela latitude. Depois de um ano, sentimos-nos bem-vindos na comunidade diversificada da ilha. Estávamos até aptos a votar nas eleições presidenciais. Conhecemos muitas pessoas diferentes e nunca encontramos nenhuma situação desagradável para nós. Às vezes sentimos-nos mais seguros aqui do que antes em nosso país, cidade, bairro. Chaves deixadas na ignição de motoas ou carros, com a tranquilidade de que ninguém vai aproveitar a oportunidade, casas com portas abertas, conscientizar que metade dos moradores são várias famílias multigeracionais, e os turistas querem se sentir bem aqui, porque estão nos ferias deles – tudo isso nos faz sentir seguros. - Há muitos como vocês- recém-chegados que escolheram a ilha como seu novo lar?
A maioria dos recém-chegados são estrangeiros que compram uma casa na ilha como a segunda, além daquela em que vivem permanentemente. Há aqueles que passam apenas férias, outros devido ao tempo se movem aqui para o meio do ano, quando o inverno reina em seus países. Não sei as estatísticas exatas, mas nos encontramos entre eles mais britânicos, alemães, mas também os holandeses e suíços. Há também muitos Madeirenses que têm segundas casas aqui. Há definitivamente menos pessoas como nós, que vêm “de longe”, e decidem viver aqui permanentemente. - Como é sua vida cotidiana agora e em que aspecto é diferente da vida cotidiana na Polônia? (não é sobre o clima e a natureza, porque é mais uma adição, é sobre as pessoas ao redor e como seu dia habitual na ilha se parece)
Como na Polônia, cuidei para ter o contato com pessoas amigáveis, das quais há muitas aqui. Foi o contato com pessoas que uma vez nos convenceu de que este poderia ser um lugar para nós. Os ilhéus sorriem muito, gostam de brincar, gostam quando falamos sua língua e ajudam com tudo. Tenho bons vizinhos atrás da parede, uma simpatica vendedora na nossa loja local, amigos-artistas incomuns e fantásticos colegas de aulas de portugues. Quando se trata da vida cotidiana, simplificamos tudo o que poderíamos influenciar. Temos menos de tudo. Menos coisas, menos informação (graças a isso menos estresse), menos ação, menos estímulos. Em troca, temos mais tempo, paz, paciência.
Todas as manhãs eu deixo os gatos entrarem no jardim e vou dar uma “rodada”. Tenho sorte que todas as manhãs sou convidada para um saboroso café da manhã realizado por um cozinheiro pessoal. Mas também gostamos de tomar café da manhã “na cidade”, ou seja, no centro da ilha, pois aqui muitas pessoas se encontram antes de trabalhar para o café. Depois, como regra, escrevo, leio, faço crochê ou toco piano. Por volta do meio-dia, quando todos estão se preparando para almoçar, começamos nossas aulas de português. Depois do almoço, sentamos-nos em frente dos computadores, mas não por muito tempo, pois é um bom momento para um passeio pela ilha: fazer as compras, ir a praia, para encontrar com os amigos. Aqui todo mundo trabalha com uma longa pausa para o almoço e depois do trabalho eles almoçam (já é noite para nós). Durante o dia, é claro, também é precisa encontrar tempo para “deveres”, ou seja, lidar com assuntos relativos à casa, jardim e preparo de alimentos para gatos. - Sua comida favorita na ilha.
Já na minha infância eu adorava bananas. Naquela época, era uma mercadoria de luxo e muito exótica. As melhores bananas que comi recentemente vieram do jardim da madeira, de nossos amigos polacos que estão aqui já há 12 anos (as nossas, as do jardim ainda são muito verdes e aparentemente vamos esperar por elas até a primavera). Eu também amo maracujá de qualquer forma: seja na sobremesa, em uma bebida local “poncha” ou direto do jardim.
Embora na Polônia não gostava – aqui eu me apaixonei por hambúrgueres (mas apenas num lugar na ilha). Eles são feitos por um pub familiar em nossa área imediata. Nós gostamos tanto deles que todas quintas-feiras encontramos-nos com polacos para um hambúrguer. - O que te deixa muito zangado/delicioso lá? A maior surpresa e decepção em Porto Santo.
A maior surpresa foi o fato de que outros polacos vivem aqui. Quando nos encontramos, fico chateada que eles não podem deixar de falar sobre política e reclamar. A maior decepção em Porto Santo acabou sendo a caça de coelhos – ou seja, o fato de que a tradição da caça é mantida. Em outubro, você pode ouvir tiros e cachorros latindo. Um ano atrás, pouco depois de receber as chaves da casa, perto do nosso jardim, vimos uma cena que eu queria, mas não consigo tirar da minha memória. Caçadores expulsaram coelhos de tocas com paus, e cães os pegaram fugindo. Os gritos dos caçadores, a waiping de animais e a visão de meninos entre homens adultos não me deram sono durante muito tempo depois da caçada. Por outro lado, a beleza da natureza neste pequeno canto da terra não deixa de se deleitar. - Houve um momento, depois de se mudar, quando estavas com medo de que “não vai funcionar”? E se assim for, como lidaste com isso?
O momento em que eu duvidava se seria possível viver em uma cultura diferente era o tempo da caça. Como sempre, eu consegui dizer “aconteça o que acontecer – eu consigo fazer isso”. Escrevi para quem pudesse, espalhando através do tradutor todas as emoções associadas a isso. Há também momentos em que me sinto abandonado pelos meus amigos poloacos. Eu não previ isso. Mas, como sempre, estou a procurar uma lição de vida nisso. - O que sentes mais falta? O que não sentes falta?
Sinto falta de encontros comamigos e familiares (felizmente, há pessoas loucas que nos visitam). Não sou obrigada a perder a vida cultural, porque graças à pandemia tenho tudo o que preciso pela Internet. Não sinto falta da vida comercial de uma cidade grande. - Sentes uma mudança em si mesmo depois dessa mudança?
E sim e não. Sinto uma mudança no meu corpo. E não por comer pastel de nata (iguarias locais). Na Polônia, eu respirava rápido, raso e lentamente exalei ar dos meus pulmões, e então deixava uma longa pausa, como se eu não quisesse respirar mais. Aqui, cada vez mais frequentemente, sinto vontade de respirar mais fundo e saturar-me com ar cheirando a água salgada, ou flores de mamão no jardim. - Quais são os meses mais memoráveis e por quê?
Novembro e dezembro foram especiais para mim. A Dia de Todos os Santos e o primeiro Natal longe dos traços dos meus antepassados eram diferentes. Mas não mais triste. Entendi que sempre os tenho no meu coração e posso acender uma luz em memoria deles em todos os lugares. E no final de junho, o primeiro convidado polaco veio até nós, então descobrimos que este não é o fim do mundo e aqueles que querem – chegarão. - Cada nova experiência nos enriquece. Essa experiência foi bastante concreta – como enriqueceu vocês dois?
Essa experiência nos enriqueceu com mais evidências de que, se você quiser, você pode ainda mais do que você pensa.